Pequenos Jardins de Alunos Emmanuel Rolland Por Jacinto Rodrigues Então, pacientemente, com a ajuda dum bastão pontiagudo, o velho homem, à medida que vai caminhando sobre as ondas telúricas da montanha, vai perfurando o solo com a sua bengala -bastão. Introduz em casa orifício uma bolota. E com o tacão do sapato tapa o buraco... Durante muitos outonos e até primaveras, fez este gesto simples e mágico... Depois, os anos passaram e ao fim de algum tempo, aquelas montanhas nuas foram-se cobrindo de pequenas árvores que mais tarde se transformaram em carvalhos frondosos. A demonstração deve ser vista por todos, independentemente da língua. Paramos a auto-caravana em frente dum antigo casarão rural. Era a sede da Associação "Pequenos Jardins de Alunos". Logo ali, na berma da estrada municipal, fica a casa de Emmanuel. Recebeu-nos fraternalmente. Está reformado mas a sua actividade continua transbordante. Logo que chegamos, à tardinha, foi-nos mostrar o "arboretum", um ecosistema evolutivo de plantas, na pequena vila de Plouet-sur-Rance. Fomos ainda ver o "talude pedagógico" na Escola de Trevon. É uma espécie de canteiro que serve de estudo e experiência de botânica aplicada. Durante o percurso, Emmanuel foi-nos contando, em traços largos, alguns momentos essenciais da sua biografia. Nasceu naquela aldeia, Chapelle de L'If, a 10km de Dinan, pequena cidade histórica da Bretanha, rodeado por aquele mundo rural fantástico, sendo ele próprio originário de famílias camponesas de longa data. Tornou-se professor primário, sendo mais tarde docente de manualidades e tecnologias. Fez, em seguida, uma formação em biologia que o tornou especialista em agro-ecologia. Toda a sua vida foi assim dedicada ao ensino de jovens e adultos, realizando experiências concretas na agricultura e inovado metodologias e técnicas de trabalho. Em 1993 ganhou um prémio por ter inventado um utensílio manual para trabalhar a terra com facilidade e eficácia. Agora ali, diante daquele pequeno aterro rico em húmus, com uma altura de cerca de 50 cm, formava-se um pequeno muro cujo comprimento pode variar e tornar-se mesmo uma cerca dum qualquer terreno. Aquele montículo teria uns 10m, tornando-se uma espécie de vitrine para mostrar as múltiplas variedades botânicas e a sua organização ecosistémica. Os alunos podiam ver, face a este mostruário vivo, o crescimento de múltiplas plantas estudando processos diferenciados de reprodução e as relações simbióticas entre espécies.Nesta complexidade ecosistémica pode-se assim estudar, ao vivo, a botânica. Pode-se cultivar e observar a metamorfose das plantas, a inter-relação que se estabelece com a fauna, nomeadamente múltiplos insectos e pássaros que aí se vêm anichar e que se manifestam como bioindicadores do terreno. Plantas e animais, particularmente insectos, lagartos e caracóis e plantas muitas vezes consideradas inúteis e/ou nocivas, expressam a qualidade do terreno tornando-se assim importantes indicadores da acidez, alcalinidade do solo, qualidade do húmus, higrometria, etc. Emmanuell explica que o talúde pedagógico recria o ambiente da floresta que é, finalmente, a mãe de todo o princípio da agricultura por ser um ecosistema o mais completo possível, favorecendo o crescimento de plantas, permitindo a criação de um abrigo contra os ventos, um muro verde de beleza e utilidade alimentar pois muitos dos pequenos arbustos que fomos observando eram comestíveis (groselhas, mirtilios, framboesas, etc.). Esta actividade agro-ecológica torna-se assim processo pedagógico multifuncional pois, promovendo a sensibilidade estética estabelece uma relação do homem com a natureza, permite o desenvolvimento dum pensamento ecosistémico aberto e realiza, simultaneamente, uma base de sustentabilidade alimentar para homens e animais. No vale da ribeira de Romanzon, onde correm águas residuais poluídas pela actividade agro-industrial, Emmanuell plantou árvores que previamente semeara em pequenas garrafas de plástico com a ajuda de todos os participantes ligados à Associação de Languenin. A humidade do solo à sombra duma nogueira ou doutra árvore frondosa, mantém a frescura e humidade ideais. Aí se fazem as reservas essenciais das sementes que começam mesmo a germinar, antes de serem semeadas na terra. Na altura própria, retiram-se para as garrafas de plástico onde, graças a um sistema especial, se cria uma vasilha propícia a fazer germinar a semente. Surge aqui toda uma ecotécnica que reutiliza materiais (garrafas de plástico) e que simultaneamente propicía a formação de tubos de ensaio (cada garrafa é um tubo de ensaio) facilitando o estudo da planta e melhorando as suas condições de crescimento. Emmanuel Rolland exemplificou-me a técnica demonstrativa da garrafa plástica. Tudo isto vem nos dois pequenos livros que escreveu. Naquele campo duma aldeia perdida na Bretanha, Emmanuell Rolland iniciou essas simples actividades agro-ecológicas. Durante anos alargou a sua sabedoria às ervas aromáticas e medicinais. A vivência rural ancestral com que lidou desde a sua infância fortificou-se com o saber adquirido e no conhecimento de outros autores como Fukuoka, Pfeiffer, Pierre Rabhi e Claude Aubert. A acção exemplar deste homem notável pode ser um estímulo para nós próprios. Quando cheguei a Portugal, depois desta viagem, pareceu-me ter feito uma experiência iniciática pré-monitória. O País ardia, as florestas, ou seja, as monoculturas industriais de eucaliptos e pinheiros serviam de pasto aos enormes incêndios. Pela estrada, vindo da Galiza, entrava na visão dantesca destes fogos do alto minho. Revelava-se-me, mais uma vez, os erros estruturais da organização florestal e do território. Foi nessa tarde de verão que, por detrás duma bouça, surgiu a cavalo a guarda republicana para proteger um qualquer grupo económico. E, quando pacífica e ordeiramente quisemos atravessar aquele campo que mais parecia um cemitério plantado de baionetas, um guarda, montado no seu cavalo assapou-me com o cacetete na cabeça. Depois destes incêndios todos em Portugal, espero que o exemplo de Emmanuell Rolland possa tornar-se numa semente que chegue até nós. E homens notáveis, como este, em Portugal, possam fazer frutificar hortas, jardins e florestas sobre este solo feito cinzas. Blog da disciplina de Ecologia Urbana Agrablan retpromenadon tra nia retpaĝaro ! |